É com grande preocupação que estamos observando, nos últimos dias, o posicionamento da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC -RJ), em relação à retomada das aulas presenciais nas escolas da Rede que se daria no dia 5 de outubro.
Mesmo sem existir um claro protocolo de segurança que garanta a volta dos profissionais de educação e dos alunos à normalidade em meio a pandemia por COVID-19, foi tomada uma decisão que, ao nosso ver, é marcada pela arbitrariedade e como um experimento que vulnerabiliza o corpo docente e discente, uma vez que no momento em que esta carta está sendo redigida, o Brasil encontra-se com a impressionante marca de mais de 139 mil mortes causadas pela Covid-19 [1]. É preciso mencionar também a subnotificação dos casos de Covid que distorce o número real de casos e mortes pelo vírus.
Essa decisão, tomada pelas autoridades de forma unilateral, ou seja, sem consulta à toda comunidade escolar como os funcionários, os diretores, os coordenadores pedagógicos, os docentes e os discentes e suas respectivas famílias, pode trazer graves consequências às diversas vidas em jogo. O argumento da secretaria é que estamos reduzindo a curva de contágio, mas na verdade essa é uma curva móvel, que se mostra diferente a cada dia. Apesar de uma aparente queda, como vimos recentemente, bares, praias e shoppings encontram-se super lotados, abrindo espaço para um possível aumento e, inclusive, novo pico de contaminação.
A impossibilidade de seguir o protocolo de segurança recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), quanto às testagens e impedimento das aglomerações, uma vez que o contato entre os alunos é uma constante dentro do espaço escolar, tendo em vista a falta de circulação de ar nas salas de aula das escolas estaduais, que em sua maioria não há janelas, mas sim, basculantes; corredores e banheiros sem ventilação alguma; pátios que não conseguem realizar as recomendações de distanciamento social, devido ao alto número de alunos previsto pela secretaria. Por esses motivos torna-se ainda mais preocupante o retorno às aulas presenciais. Esse regresso aumentaria a circulação de pessoas e o uso do transporte público, ampliando o contato e contágio, fazendo da escola vetor de propagação do vírus.
Sabemos da precariedade em que vive grande parte dos nossos alunos e seus familiares, e das dificuldades que a população está vivendo para manter a sua sobrevivência. Além disso, boa parte dos alunos e seus familiares — e também funcionários da educação — contam apenas com o sistema público de saúde cuja precariedade não é novidade e só se agravou durante a pandemia. Diante desse quadro, o que deve ser levado em conta neste momento? A vida com dignidade da população ou a volta às aulas presenciais?
Não há vacina ou resposta imediata disponível para vencermos a pandemia. Diversas autoridades, diante desse quadro, fazem declarações negando dados científicos. Mas, ao mesmo tempo, não conseguem apresentar soluções para o enfrentamento da crise. A hipótese de testar apenas professores não é eficaz, tendo em vista a possibilidade diária de contágio, a janela imunológica e os resultados falso-negativos recorrentes. Os alunos, que formam a maioria nas escolas, não serão testados e como demonstra a pesquisa pela prefeitura de São Paulo [2], jovens apresentam casos 70% assintomáticos, propiciando uma oportunidade de perigo para todos com a decisão do retorno. Outro estudo, feito pela revista Journal of Pediatrics [3], mostra que jovens entre 11 e 16 anos têm uma carga viral maior que adultos do Sars CoV-2, apontando a necessidade de considerar esses fatos ao organizar o retorno às aulas presenciais
Outro argumento é que apenas professores sem comorbidades e sem familiares com estas condições de saúde poderão voltar às aulas presenciais, no entanto isso não garante a salubridade do espaço e a garantia de vida aos profissionais e estudantes que estão sendo conduzidos como experimento.
Temos clareza sobre a falta de conhecimento acerca das medidas necessárias para garantir a segurança de todos, das manifestações da doença que podem ser silenciosas e fatais, além da vacina ainda estar em fase de testes. Portanto, nós, os profissionais do Colégio Estadual Gomes Freire de Andrade resolvemos nos posicionar pela preservação da vida das pessoas que fazem parte do nosso dia a dia e que nos são tão importantes. É um compromisso que deve ser assumido por todos nós, até que essa fase seja finalmente superada.
Como formadores e educadores, nos perguntamos qual é a nossa função neste momento? Fingir que estamos encaminhados para uma normalidade ou exercer coletivamente a nossa cidadania com os alunos? Decidimos pela segunda, pela vida e pela cidadania, contra o retorno às aulas presenciais. E deixamos a pergunta: quem está sendo protegido pelas medidas tomadas pelo Estado e pelo Governo? Definitivamente não somos nós.
Referências:
Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/09/23/casos-e-mortes-por-coronavirus-no-brasil-em-23-de-setembro-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml> Acesso em:24/09/2020
Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/27/sete-a-cada-dez-criancas-eadolescentes-infectados-por-covid-19-sao-assintomaticos-diz-pesquisa-da-prefeitura-de-sp.ghtml> Acesso em: 04/09/2020.
Disponível em: < https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/08/20/criancas-com-covid-temcarga-viral-superior-a-de-adultos-na-uti-em-estudo-dos-eua.ghtml> Acesso em: 04/09/2020.
PROFESSORES SIGNATÁRIOS:
Alexandre Meira de Oliveira
Carlos Eduardo de Assunção Hryhorczuk
Liege Sarmento Mendes Pereira
Maria de Fátima Corrêa Borges
Renata Neves
Allan Kardec de Brito Filho
Fábio Theodosio do Nascimento
Lúcia Regina Nascimento Pinho
Maria Edite Afonso Fernandes
Roberta Stumbo Freire
Ana Cláudia de Albuquerque Quintanilha
Francisco Martos Fernandes Patrício
Luciana Souza Vieira
Marivalda Silva Campos
Roberto Lacerda Moreira
Ana Fernandes Gabriel
Geiziane Angelica de Souza Costa
Luis Felipe de Assis Silva
Maurício Pereira
Simone Barbosa Nogueira Costa
Ana Paula Almeida Domingues
Giulia de Vito Nunes Rodrigues
Maire Helena Pereira Guimarães Baltar
Michelli do Nascimento Maselle
Simone Fernandes de Figueiredo
Angelica Getirana Santana
Henrique César Gonçalves da Motta
Marcelo da Silva Affonso
Nilza de Fátima Aguiar
Simone Silva Silveira
Antonio José Fernandes Barroso
Jackeline Mendes da Rocha
Marcelo Elias da Silva
Patrícia Pinto Xavier
Simonne Costa de Souza
Bernardeth Firmina Porto
Jeorgia Maria Corrêa de Souza
Marcelo Santana Fiuza
Paula Pereira Soares da Silva
Síntia Roberta Araújo da Silva
Brasiluci Ferreira
Joventina Moreira Magalhães
Marcia Cristina de Araujo
Pedro de Souza Barbosa
Valdiceia Peteira de Araujo
Bruna Capella Papacena
Kátia Regina dos Santos Castro
Marcia Santos de Cavalho
Priscila Azeredo da Ailva
Vanessa Conceição Souza de Vasconcelos
Carla Marques Cerqueira dos Santos
Leandro Siqueira
Marco Aurélio Lissonger Guimarães
Rafael de Oliveira Pessoa de Araujo
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ou leia abaixo o conteúdo da carta na íntegra: