quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Manifesto público contra o "revide" da Segurança Pública do Rio de Janeiro

As operações policiais que estão sendo realizadas pela polícia do Rio de Janeiro desde o dia 17 de outubro, após a queda de um helicóptero no morro São João, no Engenho Novo, próximo ao Morro dos Macacos, já têm um saldo de mais de 40 pessoas mortas e um número desconhecido de feridos. É o resultado evidente de uma política de segurança pública baseada no extermínio e na criminalização da pobreza, que desconsidera a vida humana e coloca os agentes policiais em situação de extrema vulnerabilidade.
A lamentável queda do helicóptero e a morte dos três policiais não pode servir como mais um pretexto para ações que, na prática, significam apenas mais violência para os moradores das comunidades atingidas e mais exposição à vida dos policiais. Ao se utilizar do terror causado pelo episódio para legitimar ações que violam a lei e os direitos humanos, o Estado se vale de um sentimento de vingança inaceitável. Em outras palavras, aproveitando-se da sensação de medo generalizada, o governo de Sérgio Cabral oculta mais facilmente as arbitrariedades e violações perpetradas nas favelas, como o fechamento do comércio, de postos de saúde e de escolas e creches – além, é claro, das pessoas feridas e das dezenas de mortos.
A sociedade carioca não pode mais aceitar uma política de segurança pautada pelo processo de criminalização da pobreza e de desrespeito aos direitos humanos. Definitivamente, não é possível jogar com as vidas como faz o Estado contra os trabalhadores – em especial os pobres, os negros e os moradores de favela – utilizando-se como desculpa a chamada “guerra contra as drogas”.
As organizações da sociedade civil, movimentos sociais, professores da rede pública e outros preocupados com a situação que há cerca de uma semana mobiliza o Rio de Janeiro se uniram para exigir o fim das incursões policiais baseadas na lógica do extermínio e a divulgação na íntegra da identidade dos mortos em conseqüência dessas ações. Até o fim da semana, o coletivo fará visitas às comunidades atingidas e se reunirá com moradores para ouvir relatos relacionados à violência dos últimos dias.
Na quinta-feira, dia 5 de novembro, haverá um ato em frente à Secretaria de Segurança Pública, no Centro do Rio.
Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2009

Justiça Global
CRP – Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro
SEPE - Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação
DDH - Defensores de Direitos Humanos
Grupo Tortura Nunca Mais
CDDH - Centro de defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis
Central de Movimentos Populares
Projeto Legal
Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola
PACS – Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul
MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia
Mandato do Deputado Estadual Marcelo Freixo
Mandato do Deputado Federal Chico Alencar
Mandato do Vereador Eliomar Coelho
DPQ – Movimento Direito Pra Quem?
Fazendo Média
NPC – Núcleo Piratininga de Comunicação
Agência Pulsar Brasil
Revista Vírus Planetário
ENECOS - Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
AMARC – Associação Mundial das Rádios Comunitárias
APN – Agência Petroleira de Notícias
O Cidadão – Jornal da Maré
ANF – Agência de Notícias das Favelas
Coletivo Lutarmada Hip-hop
Conlutas
Intersindical
Círculo Palmarino
Fórum 20 de Novembro


ASSINE ESSE MANIFESTO EM -- http://www.ipetitions.com/petition/manifestosegurancapublica

Discurso pós-maratona europeia

20/10/2009
"Vim direto do aeroporto para o plenário. Estou ainda um pouco tonto porque 12 horas de viagem não é algo simples nem fácil. Mas preparo (...) um relatório de todas as visitas, de todas as reuniões em todas as cidades. Foram 13 cidades diferentes em seis países, em 35 dias. Então, é evidente que tenho bastante trabalho. Em todos os países, as reuniões foram sempre com o Parlamento, com o Governo, na maioria das vezes com os Ministérios de Relações Exteriores, com a sociedade civil, com a Academia, com o pensamento de cada país, o que foi muito importante. Descobri, por exemplo (...) que na cidade de Colônia, uma bela cidade da Alemanha, há um mestrado e uma das teses que estão sendo produzidas lá é sobre as milícias do Rio de Janeiro. A estudante que está elaborando essa tese, evidentemente veio conversar e disse que a principal fonte de pesquisa era o relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou as milícias nesta Casa. De alguma forma, são sinais da globalização, também.
Em todos os países, explicitando quais eu visitei — Alemanha, Holanda, Espanha, França, Bélgica e Itália — sempre fui muito bem recebido e sempre uma grande surpresa para mim, principalmente dos parlamentos de cada um deles, do quanto conseguimos aqui, através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, porque não foi fácil enfrentar o crime organizado. Esse também é papel do parlamento.
Eu quero somar a esta fala de uma prestação de contas inicial que faço, pois acabei de chegar e sei que devo, é minha obrigação prestar contas por escrito. Quero dizer o que fui fazer lá, o que foi feito, trazendo todas as reportagens que saíram sobre a nossa visita a esses lugares. Essa deve ser a prática desta Casa.
Se nós saímos, se não estávamos aqui trabalhando, se estávamos trabalhando em outro lugar, em outro espaço, a prestação de contas é obrigatória. Deve ser sempre assim: na volta de qualquer viagem, o parlamentar tem que apresentar um relatório para dizer porque estava ausente. E, se não foi a trabalho, então que não receba o seu salário daquele mês. É o mínimo de seriedade que a gente exige. Portanto, como cheguei hoje, garanto que até quinta-feira estarei apresentando esse relatório atualizado, mas trago algumas informações imediatas.
Quero dizer (...) que no início, até porque eu comecei a visita pela Alemanha, encontrava uma grande dificuldade pedagógica - e olha que eu tenho 19 anos de sala de aula, de magistério, e ainda dou aula, ainda estou em sala de aula - mas tinha uma dificuldade pedagógica muito grande de fazer com que algumas pessoas, principalmente na Alemanha, compreendessem o fenômeno da milícia. Quando eu dizia, ..., que não são paramilitares, porque o ‘efeito Colômbia’, o modelo da Colômbia é muito conhecido na Europa. Só que a nossa milícia é diferente do modelo colombiano: nós não temos paramilitares, eles formam uma força que está dentro da Polícia, dentro das forças públicas, não está fora, mas é uma força paralela que não está fora do Estado, que age dentro do Estado e se utiliza da carteira, se utiliza da arma para implementar e organizar o crime.
Diante disso, havia alguma dificuldade de compreensão de como é possível acontecer. Quando eu dizia que setores do poder público organizam crime, dominam territórios e dominam, por exemplo, atividades econômicas, mas não fazem tráfico de drogas — esta é outra comparação equivocada que fazem com experiências, por exemplo, do México ou da Colômbia. Não há tráfico de drogas nas milícias, a atividade econômica é outra e é mais lucrativa, diga-se de passagem, do que o tráfico. Eu lhes dizia que dominam o transporte alternativo.
Aí (...) fazer o povo da Alemanha, por exemplo, entender o que significa transporte alternativo, era uma dificuldade muito profunda. E tive de dizer que existe o transporte alternativo porque o transporte público não funciona, porque o transporte público no Rio de Janeiro está entregue nas mãos dos donos de empresa de ônibus, que financiam campanhas e depois não são cobrados devidamente das suas obrigações, por isso não permitem, por exemplo, que nosso metrô tenha algum nível de dignidade nos serviços oferecidos à população, porque as relações políticas que pairam sobre o interesse público impedem que nosso transporte coletivo tenha alguma qualidade.
Fazer com que essas pessoas entendessem isso, em alguns lugares, era muito difícil. Fazer com que isso pudesse gerar a idéia de que era o braço econômico do crime que se alimentava de um Estado que propositalmente não oferece seus serviços para a população, era mais difícil ainda. Como lhes explicar, por exemplo, que setores do poder público dominam a distribuição de gás em diversas áreas do Rio de Janeiro, em mais de 200 áreas do Rio de Janeiro? Como explicar que desviam sinais de TV a cabo? E fazem com que isso dê um montante, como, por exemplo, uma milícia investigada por nós e depois comprovada pela investigação da Draco, já tivesse um faturamento de um milhão e meio de euros. E se fizéssemos isso convertido, por mês, vai dar, aproximadamente, cinco milhões de reais. Tudo conseguido, tudo conquistado através das falhas do Estado, através da lacuna deixada pelo Estado na vida dessas pessoas das áreas periféricas e pobres no Rio de Janeiro.
É um Estado que não é para todos; uma cidade que não é para todos, mas para alguns. Essa era uma dificuldade que precisávamos superar na hora de conversarmos sobre o crime organizado dentro do Estado. (...) Não existe crime organizado fora do Estado no mundo inteiro. O crime só é organizado quando feito por dentro do Estado. O crime fora do Estado existe, mas é um crime desorganizado, é um crime desarticulado, é um crime que não tem conexões. É um crime feito a partir de um Estado que se apresenta seja qual for, pela sua lacuna no que diz respeito a uma política de direitos, pela lógica da repressão. Mas, evidentemente, crime organizado só existe diante do Estado e dentro das máquinas públicas, operado por agente da máquina pública. Não é possível o crime ser organizado fora do Estado. Mesmo esses que, aparentemente, surgem de áreas onde supostamente não temos o Estado, o que não é bem verdade. Nós temos o Estado presente nas favelas, através do braço de controle da Polícia. Nós não temos o Estado presente na garantia dos direitos, com escola de qualidade, com saúde pública de qualidade, com transporte, com política de empregos. Isso nós não temos garantido, mas temos o Estado presente na lógica do controle, na lógica de guetificação, na criminalização da pobreza. (...) uma provocação propositiva: eu não considero que falte política de segurança para o Estado. Essa é a política de segurança. Não existe ausência do Estado, existe um determinado modelo de Estado para essa população, e há falhas.
A Polícia do Rio de Janeiro cumpre ordens. A Polícia do Rio de Janeiro é absolutamente vinculada e articulada aos interesses políticos. Foi criada assim há duzentos anos. A Polícia do Rio de Janeiro foi criada pela Família Real quando chegou ao Rio de Janeiro para proteger a realeza dos escravos, dos pobres e dos negros que circulavam pelo centro do Rio. A Polícia continua, numa perspectiva histórica, com uma função muito semelhante a de proteger a casa grande dos riscos da senzala. É um modelo de guetificação e de controle da população pobre. Não é uma falha do Estado. Este é o Estado. Não é uma ausência de política. Esta é a política do controle através, única e exclusivamente, da repressão, onde o controle é mais absoluto e moderno, com ocupações policiais.
Vamos viver um momento importante no Rio de Janeiro, que é a chegada da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Não só das Olimpíadas, mas da Copa do Mundo também. É uma grande oportunidade para que possamos virar uma determinada página no Rio de Janeiro, que é a página da hipocrisia. Para repactuar a ideia de cidade. Para rediscutir o papel que as favelas têm no Rio de Janeiro. Para romper com a ideia de que a favela é sempre um debate de Polícia, marcado pelas sucessivas tragédias. Ou é um helicóptero matando, ou é um helicóptero sendo derrubado. Quem não lembra daquela ação, em Senador Camará, do helicóptero fuzilando todo mundo? O Deputado Paulo Ramos, à época lembrava que qualquer dia um helicóptero seria derrubado, e agora foi derrubado.
São marcas de tragédias que provocam nossa hipócrita amnésia. Uma tragédia apaga a outra, e vamos nos esquecendo de tudo. Chacinas e mais chacinas, como tivemos na década de 90 e continuamos a ter agora. O que foi o Complexo do Alemão? É preciso romper. Não existe história do Rio de Janeiro sem a história de suas favelas. Mais de um terço da população do Rio de Janeiro vive nas favelas. O risco para o Rio de Janeiro não é o dia em que a favela descer. Ai do Rio de Janeiro, ai das olimpíadas do Rio de Janeiro se um dia a favela não descer! Porque se, um dia inteiro, todos os moradores da favela não saírem de casa, o que funcionará no Rio de Janeiro? Qual serviço vai funcionar no Rio de Janeiro? Nada funcionará, porque continua sendo as mãos e os pés desta Cidade. Mas, equivocadamente insistimos em fazer um discurso de criminalização da pobreza e tratando sempre as favelas como caso de polícia. Um procedimento que cria um aspecto do medo, que provoca a intolerância, e V. Exa. sabe muito bem o quanto este debate é importante, o quanto o medo é estratégico para uma determinada concepção de Estado, que quer provocar, num determinado setor a quem não lhe deu direitos, a perspectiva do medo da construção do inimigo público. Este é o momento em que o Rio de Janeiro tem a chance de fazer um debate, aberto para o mundo, de repactuação da sua concepção de cidade. Não podemos perder essa perspectiva e achar que a saída para isso é um grande muro na Linha Amarela e na Linha Vermelha, porque vamos passar por ali e o problema estará bem distante: do outro lado do muro.
Um dos lugares que visitei oficialmente pelo Parlamento foi a Alemanha. Uma das referências da concepção de cidade, em Berlim, hoje, é a ausência do muro. Berlim é uma das cidades mais importantes do Século XX. É só pensarmos o quanto o Século XX foi marcado pela 1ª Guerra, pela 2ª Guerra, pela ascensão do nazifascismo, no período entre guerras, pelo pós-guerra e o papel predominante de Berlim em todos esses debates, pela queda do muro no final da década de 80. Berlim é protagonista durante todo o Século XX. Toda a concepção de Berlim, em pouco tempo, será indiscutivelmente a principal cidade européia. Todo o conceito que Berlim desenvolve hoje, de cidade, está calcado como referência simbólica mais importante o rompimento de muros. Nos restos do muro de Berlim que sobraram, que virou lugar de visitação, tem uma frase, que fotografei e vou mandar de presente para o Governador, dizendo: “Muitos são os muros que ainda precisam ser derrubados”. Está escrito num pedaço, que ficou em pé, do muro de Berlim, é principalmente aos muros que provocam a invisibilidade de um setor dessa população, que gera o preconceito, que gera a intolerância, que gera a ideia de que o Rio está em guerra e que a solução para esta guerra é eliminarmos o inimigo. Não é disso que estamos precisando, porque não fizemos outra coisa, na história da República do Rio de Janeiro, que não eliminarmos inimigos e produzirmos inimigos. Foi isso que a ditadura fez com os subversivos, comunistas e todos aqueles que foram ditos “inimigos da pátria”.
E agora? Os “inimigos da pátria” são os que sobraram de uma sociedade de mercado. E o nosso Estado continua eliminando esses inimigos, e produzindo inimigos e trabalhando com a lógica do medo. É isso que precisamos superar. Este Parlamento tem um papel fundamental como teve no enfrentamento das milícias e continua tendo uma posição fundamental na cobrança desse Governo de uma política de Segurança Pública, que não seja calcada na intolerância, no preconceito e na violência. O Estado não pode disputar com o crime quem é mais violento, mais bárbaro, mais brutal. O Estado tem outro papel, e que não é o que será escrito apenas pela Polícia.
(...) de todos os países que visitei, a Itália foi o lugar onde mais facilmente fomos compreendidos, por razões óbvias. Quando começamos a falar do funcionamento das milícias, na metade da frase, qualquer um, da imprensa ao governo italiano, diziam: isso é máfia. Não precisa continuar falando, isso é máfia, todas as características da máfia.
Esta Casa deu início ao enfrentamento de uma máfia, porque chamamos de milícia equivocadamente, foi o nome dado pela imprensa e que não mais vamos tirar. Mas se trata de máfia. O que fizemos foi iniciar um processo de enfrentamento, que está longe de ser o final. As milícias se organizam para retomarem ano que vem, o espaço perdido na batalha que travamos aqui dentro. Nós temos responsabilidade pelo que já iniciamos. Hoje, esse é um assunto discutido em boa parte do mundo. E boa parte do mundo tem o olhar sobre o Rio de Janeiro. E esse olhar para o Rio de Janeiro não pode ser apenas, (...), o de um bom lugar para os Jogos Olímpicos. Aqui tem que ser um bom lugar para se viver. É isso que a gente espera. Muito obrigado. Estamos de volta e em breve um relatório será entregue a todos os senhores.
Marcelo Freixo

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