O Globo entrevista educador finlandês, que conta o porquê da qualidade da educação na Finlândia:
Receita de sucesso do país é valorização do
professor e do ambiente escolar (Leonardo Cazes) - Pasi Sahlberg, diretor decentro de estudos vinculado ao Ministério da Educação finlandês Divulgação:
RIO - No ranking do
Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) 2009, aplicado em 65 países pela Organizaçãopara Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a Finlândia alcançou o 3º lugar. O país chama a atenção não só pelosbons resultados, mas por apresentar um modelo diferente dos outros líderes do
ranking, China e Coreia do Sul. No lugarde toneladas de exercícios e de um ritmo frenético de estudo, na Finlândia, há pouco dever de casa, e a maiorpreocupação é com a qualidade dos professores e dos ambientes de aprendizado. Não há avaliações periódicaspadronizadas de alunos e docentes, que não recebem remuneração por desempenho. E todo o sistema escolar éfinanciado pelo Estado.
Em seu livro, “Finnish lessons: what can the world learn from
educational change in Finland?” (em uma tradução livre,Lições finlandesas: o que o mundo pode aprender com a mudança educacional na Finlândia?), Pasi Sahlberg, diretor de um centro de estudos vinculado ao Ministério da Educação do país, diz que o magistério é a carreira mais popular entreos jovens e que a transformação no Brasil deve começar pela igualdade de acesso a um ensino de qualidade.
O GLOBO: A
Finlândia ocupa a 3 posição no ranking do Pisa (Programa Internacional de
Avaliação de Alunos), entre 65 países avaliados pelo exame da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No entanto, nem sempre foi
assim. Quando começou a transformação na educação finlandesa?
PASI SAHLBERG: A
grande transformação do sistema educacional finlandês começou no início da
década de 1970, quando foi criado o sistema de ensino obrigatório de nove anos.
Todas as crianças do país passaram a estudar em escolas públicas parecidas e de
acordo com o mesmo currículo nacional. O principal objetivo desse modelo era
igualar a oportunidade de acesso a uma educação de qualidade e aumentar o nível
educacional da população. Assim, a reforma educacional não foi guiada pelo
sucesso escolar e, sim, pela democratização do acesso a escolas de qualidade.
Esse movimento continuou nos anos 90, com a necessidade de uma população mais
preparada para o mercado de trabalho.
O GLOBO: Quais
foram as bases da revolução educacional finlandesa? Quais são seus pontos
fortes?
SAHLBERG: O
compromisso da sociedade finlandesa pela igualdade de acesso a uma educação de
qualidade foi decisivo. A Finlândia com seus 5 milhões de habitantes não pode
perder nenhum jovem. Todos precisam ter uma educação de qualidade. Os pontos
fortes do sistema finlandês são o foco nas escolas, para que elas possam ajudar
as crianças a ter sucesso; educação primária de alta qualidade, que dê uma base
sólida para as etapas seguintes do aprendizado; e a formação de professores em
universidades de ponta, que tornaram a profissão uma das mais populares entre
os jovens finlandeses.
O GLOBO: No Brasil,
muitas políticas públicas sofrem com a falta de continuidade. Isso acontece na
Finlândia? O que fazer para garantir a continuidade?
SAHLBERG: A
Finlândia manteve uma política pública estável desde a década de 70. Diferentes
governos nunca tocaram nos princípios que nortearam a reforma, apenas fizeram
um ajuste fino em alguns pontos. Essa ideia de uma escola pública de qualidade
para todos os finlandeses foi um consenso nacional construído desde a Segunda
Guerra Mundial. É o que no livro eu chamo de “sonho finlandês”.
O GLOBO: O mundo
parece buscar uma fórmula mágica para a educação. Existe uma fórmula válida
para todos?
SAHLBERG: Não, não
existe nenhuma fórmula mágica nem um milagre secreto na educação finlandesa. O
que fizemos melhor do que outros países foi entender qual é a essência do bom
ensino e do bom aprendizado. As crianças devem ser vistas como indivíduos que
têm diferentes necessidades e interesses na escola. Ensinar deve ser uma
profissão inspiradora com um grande propósito de fazer a diferença na vida dos
jovens. Infelizmente, esses princípios básicos deram lugar a políticas regidas
pelo mercado em vários países. Essa lógica de testar estudantes e professores
direcionou os currículos e aumentou o tédio em milhões de salas de aula. A
fórmula para uma reforma da educação em muitos países é parar de fazer essas
coisas sem sentido e entender o que é importante na educação.
O GLOBO: O que foi
feito na Finlândia e que poderia ser reproduzido em outros países em
desenvolvimento, como o Brasil?
SAHLBERG: A
pergunta deve ser o que é possível aprender com a experiência finlandesa, não
reproduzir. Primeiro, a experiência da Finlândia mostrou que é possível
construir um modelo alternativo àquele que predomina nos Estados Unidos, na
Inglaterra e em outros países. Mostramos aqui que reformas guiadas pelo
mercado, com foco em competição e privatizações não são a melhor maneira de
melhorar a qualidade e a equidade na educação. Segundo, é importante focar no
bem-estar das crianças e no aprendizado da primeira infância. Só saudáveis e
felizes elas aprenderão bem. Terceiro, a Finlândia mostrou que igualdade de
oportunidades também produz um aumento na qualidade do aprendizado. É preciso
que o Brasil combata essa desigualdade de acesso. Só um plano de longo prazo
para a educação e compromisso político possibilitarão que os resultados sejam
alcançados.
O GLOBO: Os professores
ocupam um papel importante no sistema finlandês. Como prepará-los bem? Um
salário atrativo é importante?
SAHLBERG:
Professores são profissionais de alto nível, como médicos ou economistas. Eles
precisam de uma sólida formação teórica e treinamento prático. Em todos os
sistemas educacionais de sucesso, professores são formados em universidades de
excelência e possuem mestrado. O salário dos professores deve estar no mesmo
patamar de outras profissões com o mesmo nível de formação no mercado de trabalho.
Também é importante que professores tenham um plano de carreira, com
perspectivas de crescimento e desenvolvimento.
O GLOBO: No Brasil,
poucos jovens são atraídos pelo magistério. A carreira atrai muitos jovens na
Finlândia?
SAHLBERG: O
magistério é uma das profissões mais populares entre os jovens finlandeses.
Todo ano, cerca de um a cada cinco alunos que terminam o ensino médio tem a
carreira como primeira opção. Há dez vezes mais candidatos para programas de
formação de docentes para educação infantil do que vagas nas universidades. A
Finlândia tem o privilégio de poder controlar a qualidade dos professores na
entrada e depois garantir que só os melhores e mais comprometidos serão aceitos
nessa profissão nobre.
O GLOBO: A inclusão
das novas tecnologias nas salas de aula vem sendo muito debatida. Como você vê
esse processo? Como isso é feito na Finlândia?
SAHLBERG:
Tecnologia é parte das nossas vidas e é usada nas escolas finlandesas.
Professores na Finlândia usam tecnologia para ensinar de maneiras muito
diferentes. Alguns, a utilizam muito e outros raramente. Aqui a tecnologia é
uma ferramenta, mas o foco continua sendo na pedagogia entre pessoas, sem
tecnologia. A tecnologia não deve guiar o desenvolvimento educacional e, sim,
ser uma ferramenta como várias outras.
O GLOBO: Retomando
o título do seu livro, quais são, afinal, as principais lições do sistema de
educação finlandês?
SAHLBERG: A mais
importante das lições é que há uma alternativa para se chegar ao sucesso
prometido por reformas guiadas pelo mercado. A Finlândia é o antídoto a este
movimento que impõe provas padronizadas, privatização de escolas públicas e
remunera os professores com base em avaliações de desempenho que se tornou
típico de diversos sistemas educacionais pelo mundo.