sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Sentença da Justiça a favor do Sepe abre precedente para questionamento à política educacional da SME



A Justiça concedeu uma sentença favorável à ação do Sepe contra os Ciclos de Formação. A decisão foi publicada no dia 5 de dezembro e foi favorável ao questionamento do sindicato sobre a falta de participação dos profissionais de educação na implantação das políticas educacionais da SME e à falta de democracia do órgão para com os principais interessados nas mudanças promovidas pelo governo municipal na sua rede.
Em 2006, o Sepe deu entrada em uma ação civil pública para combater a política da SME de implantação dos Ciclos de Formação, questionando a falta de participação da categoria na elaboração dos projetos pedagógicos implementados pela SME que acabaram redundando na aprovação automática. A categoria e a comunidade escolar fizeram grandes protestos, que derrotaram politicamente a aprovação automática.
Agora, com esta sentença, a Justiça reconhece a razão dos profissionais e condena a política autoritária da SME e os ataques à autonomia pedagógica dos profissionais de educação. O texto da sentença determina que o município do Rio de Janeiro deverá respeitar a autonomia pedagógica e o processo democrático para a formulação das políticas educacionais na rede municipal.
Esta sentença cria um excelente precedente favorável à luta do SEPE, principalmente neste momento, em que a categoria luta contra uma série de mudanças promovidas pela secretária de Educação Cláudia Costin na rede, através de projetos como o da reestruturação da rede.


Veja abaixo o teor da sentença:

"Vistos etc. O SINDICATO ESTADUAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, devidamente representado nestes autos, ingressa com AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO objetivando, em síntese, que o ente público se abstenha de implementar os 2º e 3º ciclos de formação, enquanto não forem fornecidas as condições necessárias para o seu funcionamento regular, após realização de debate e preparo dos profissionais diretamente ligados, com cursos de capacitação fornecido a todos os servidores do Magistério, em amplo processo democrático com a comunidade escolar. Mais. Objetiva, ainda, que o ente público se abstenha de exigir o ´Dia Comum´ na data que pré-definiu (quarta-feira) para a realização das atividades inerentes ao Centro de Estudos semanal, atendendo, assim, as peculiaridades de cada unidade escolar e conferindo às mesmas, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (artigos 15 e 23) a necessária autonomia na escolha da data para tal finalidade. A inicial veio instruída com documentos (fls. 17/131). Distribuída a ação, inicialmente, ao Juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, aquele Juízo entendeu por não deferir a liminar requerida que anteciparia a tutela pretendida (fls. 133). Citação (fls. 136). O autor informou a interposição de Agravo de Instrumento (fls. 138/150), cumprindo o disposto no artigo 526 do Código de Processo Civil. Contestação (fls. 153/170), instruída com documentos (fls. 171/220). Comunicado quanto a ter sido negado seguimento ao recurso de Agravo de Instrumento, por decisão monocrática do Desembargador relator (fls. 226/257). Réplica (fls. 258/267), vindo os novos documentos (fls. 268/326). O réu informa que não tem outras provas a produzir (fls. 328). Ouvido o Ministério Público, este entendeu por ser dado conhecimento da demanda a Promotoria da Infância e da Juventude (fls. 329), tendo o Juízo Fazendário acolhido o requerimento (fls. 330), havendo manifestação daquele órgão (fls. 331 verso). A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva apresentou promoção no sentido de ser declinada a competência para o Juízo da Infância e da Juventude (fls. 333/335), tendo o Juízo Fazendário remetido os autos ao Procurador Geral de Justiça, por analogia ao artigo 28 do Código de Processo Penal (fls. 336). Parecer da Assessoria de Assuntos Institucionais do Ministério Público considerando tratar de atribuição da 6ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania (fls. 341/345). O Juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública declinou a competência para este Juízo da Infância e da Juventude (fls. 349). O Município do Rio de Janeiro se manifesta no sentido de ser o feito extinto sem julgamento de seu mérito, uma vez que por meio de Decreto foi extinto o anterior sistema de aprovação automática (fls. 357/358). Remetidos, os autos, a Promotoria de Justiça de Proteção à Educação, aquele órgão solicitou o encaminhamento à Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania (fls. 372 verso), a qual se manifestou por seu envio à Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude (fls. 375 verso). A Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude opinou por ser suscitado conflito negativo de competência (fls. 379), tendo este Juízo recepcionado a decisão do Juízo Fazendário, não suscitando o conflito negativo, fixando a competência para conhecer e julgar da presente demanda (fls. 387). O réu volta a se manifestar no sentido de ser o processo extinto sem o julgamento de seu mérito (fls. 389). Foi deferida a produção de prova documental superveniente (fls. 393), não tendo o autor produzido a prova requerida. Determinada a manifestação do Ministério Público (fls. 397), este apresentou parecer final (fls. 405/411) e, visando prevenir qualquer futura alegação de nulidade, os autos foram remetidos à Promotoria de Justiça da Tutela Coletiva (fls. 412), que ratificou o parecer apresentado pela Promotoria de Justiça de Proteção à Educação (fls. 412 verso). É o relatório. Passo a DECIDIR. DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA O Município do Rio de Janeiro, em sua contestação, argumentou sobre a ilegitimidade ativa do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro para defesa de interesse difusos de uma sociedade indistintamente. Segundo o réu, somente órgãos públicos podem ajuizar demandas na defesa genérica da comunidade, porque autorizados expressamente em lei. A preliminar não pode prosperar. A Lei 7.347/85 atribuiu legitimidade à entidade sindical para defesa de interesse difuso e coletivo e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 5º, conferiu ao autor legitimidade para a defesa do ensino fundamental, objetivando afastar qualquer irregularidade verificada. Nesta esteira, REJEITO A PRELIMINAR ARGUIDA, passando ao julgamento do mérito da causa. DO MÉRITO DA CAUSA O mérito da presente demanda está estritamente relacionado com aos princípios constitucionais norteadores da Educação Nacional, devendo ser analisada a questão quanto a poder, ou não poder, o ente público municipal implementar política educacional, do modo que reputa mais conveniente e eficiente, sem a prévia participação dos profissionais da Educação. De acordo com a narrativa inicial, o Município do Rio de Janeiro estaria intencionando ampliar o sistema de CICLOS DE FORMAÇÃO na rede de ensino fundamental, sem que houvesse um efetivo e real debate prévio com a comunidade escolar, ou seja, sem a participação dos sujeitos que protagonizam e executam a política educacional nas escolas, o que, no seu entendimento, fere os princípios da gestão democrática e da autonomia da unidade escolar, garantidos na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96). O sindicato aduz que o método ´inovador´ apresentado pelo Município do Rio de Janeiro tem por escopo findar a seriação da educação básica, com aprovação automática do alunado, sob os critérios de enturmação, sem a possibilidade de repetência ou reprovação do estudante, correspondendo cada ciclo a um triênio de duração. Argumenta o sindicato que é imprescindível considerar quais são as condições estruturais existentes (materiais e humana) em que se pretende efetuar a mudança, sendo necessária uma ampla discussão antecedente envolvendo os profissionais da educação e descentralizando a elaboração dessa política, como determina a própria Lei de Diretrizes e Bases. Desta forma, o autor pretende que o ente político municipal se abstenha de implementar os 2º e 3º ciclos de formação, enquanto não forem fornecidas as condições necessárias para o seu funcionamento regular, após realização de debate e preparo dos profissionais diretamente ligados, com cursos de capacitação fornecido a todos os servidores do Magistério, em amplo processo democrático com a comunidade escolar. Na mesma esteira, objetiva que o Município do Rio de Janeiro se abstenha de exigir o ´Dia Comum´ para a realização das atividades inerentes ao Centro de Estudos semanal, na data que predefiniu (quarta-feira), atendendo, assim, as peculiaridades de cada unidade escolar e conferindo, às mesmas, a necessária autonomia na escolha da data para tal finalidade. Em contrapartida, o Município do Rio de Janeiro argumenta que a formulação de políticas públicas consubstancia decisões administrativas privativas da Administração e, desta forma, a autoridade administrativa é a quem competente analisar os pressupostos de fato e de direito que ensejam sua edição, expede o juízo de avaliação do mérito administrativo, em busca do interesse público visado. É o poder-dever que a lei atribui ao administrador, no exercício da genuína discricionariedade administrativa, entendida como o poder conferido ao administrador de escolher, dentre muitas opções possíveis, legais e razoáveis, aquela que melhor atende às necessidades sociais. O Ministério Público, em seu parecer final, é da opinião que o pleito autoral não merece acolhida, uma vez que a organização da educação básica pode se dar por meio de ciclos e que a opção por tal tipo de desdobramento é faculdade dos sistemas de ensino. Diferente do parecer apresentado pelo Ministério Público, analisando a matéria, conclui-se que os pedidos formulados devem ser acolhidos. A Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96), em seu artigo 23, dispõe que a educação básica poderá, sempre que o processo de aprendizagem assim o recomendar, organizar-se em: 1- séries anuais, 2- períodos semestrais, 3- ciclos, 4- alternância regular de períodos de estudo, 5- grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou 6- por forma diversa de organização. Desta forma, fácil é concluir que o sistema de ciclos é um modo de estruturação e organização educacional legalmente permitido. É uma faculdade da Administração Pública, estando assim inserido em seu poder discricionário. Quanto a isto não há discussão, nem mesmo por parte do sindicato. O cerne da questão consiste em se pesquisar se pode o Administrador Público, mesmo no exercício do poder discricionário, desconsiderar ou afastar-se dos princípios constitucionais que regem a Educação Nacional? Parece-nos que a resposta deva ser negativa, caso contrário as disposições constitucionais se tornariam letra morta, sem qualquer valor jurídico norteador. Da análise dos autos, chega-se à conclusão que o Município do Rio de Janeiro, ao optar pelo modo organizacional do sistema de educação por ciclos, sem que observasse os princípios da participação e da gestão democrática, afastou-se, e muito, da vontade do legislador; da razão de existir da própria Lei de Diretrizes e Bases, tornando seu ato, que a princípio estaria revestido de legalidade, em um ato ilegal, passível de ser controlado pelo Poder Judiciário. Vejamos. DA GESTÃO DEMOCRÁTICA E DA AUTONOMIA DAS UNIDADES ESCOLARES PÚBLICAS A Constituição Federal, em seu artigo 206, estipula como um dos princípios da Educação Nacional, a gestão democrática do ensino público na forma da lei. Não é por outra razão que a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ao estabelecer as Diretrizes e Bases da Educação Nacional reproduziu o texto constitucional, determinando que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades (art. 14), conforme o princípio da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico (inciso I) e da comunidade escolar. Na seqüência, a Lei de Diretrizes e Bases define que os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica a autonomia pedagógica e administrativa, bem como a gestão financeira, respeitadas as normas gerais de direito financeiro público. Portanto, os princípios da participação, da autonomia e da gestão democrática estão regulamentados por uma Política Educacional Nacional e devem ser observados, pois o Administrador Público só pode fazer o que a lei autoriza, não podendo inovar, principalmente ao exercer o seu poder discricionário (princípio da legalidade dos atos administrativos). A legislação educacional, portanto, aponta que os caminhos para construção da autonomia das escolas públicas são a gestão democrática e a construção do projeto político pedagógico. Sabemos que a construção da autonomia escolar será um processo longo, que pede um trabalho coletivo e talvez se concretize com as próximas gerações, pois o presente sistema escolar ainda é burocrático e burocracia é uma forma de separação e dominação. Há necessidade de uma mudança de atitude, um amadurecimento por parte das pessoas envolvidas em um projeto social, sobretudo, dentro da escola. Por isso, a autonomia ainda está sendo construída e há muito a caminhar nesse processo. Não obstante ter-se a certeza de que a autonomia das unidades escolares está longe de ser uma realidade, a sociedade como um todo deve torná-la palpável. A demanda tem esta finalidade: fazer valer o princípio constitucional da gestão democrática nas escolas públicas. Gestão é administração, é direção, relaciona-se com atividade de impulsionar uma organização a atingir seus objetivos, cumprir sua função, desempenhar seu papel. A gestão constitui-se de princípios e práticas decorrentes que afirmam os princípios que as geram. Estes princípios, entretanto, não são intrínsecos à gestão como a concebia a administração clássica, mas são princípios sociais, visto que a gestão da educação se destina à promoção humana. A passagem de uma Administração autoritária para uma democrática e participativa é complexa e terá de enfrentar vários desafios ou superar diversos obstáculos, antes de produzir os resultados esperados. O maior e mais difícil desafio a ser resolvido é fazer com que a administração escolar nas instituições de ensino, atinja um grau satisfatório de autonomia, que lhes garantam recursos e condições capazes de permitir a implantação de novas idéias pedagógicas e administrativas surgidas no coletivo. Sabendo da complexidade e da dificuldade que as mudanças provocam, já que para se mudar de uma idéia que não corresponda à realidade vigente para outra nova que exija a ruptura histórica na prática administrativa da escola, o alcance da autonomia requer tempo e conscientização dos profissionais. Toda mudança, provocada no âmbito de qualquer instituição, exige muito diálogo, para não evoluir para um grau de insatisfação em que não exista espaço para discussões, questionamento e, muito menos, críticas. A gestão participativa, democrática, visa minimizar o aspecto coercitivo inerente à própria Administração, já que as decisões não ocorrem unilateralmente de cima para baixo, mas, ao contrário de baixo para cima, pois cada indivíduo participa direta ou indiretamente das decisões administrativas. Não se nega que o Município do Rio de Janeiro possa, discricionariamente, optar por organizar o sistema de ensino em sua rede, mediante ciclos de formação. Nega-se, sim, a possibilidade de imposição desse modo de sistema sem a prévia participação dos profissionais da educação na construção do projeto pedagógico, ante o princípio constitucional da gestão democrática. Tem-se, por fim, que a imposição do chamado ´DIA COMUM´ afronta o princípio da autonomia. O ´Dia Comum´ foi instituído para que professores se reunissem a fim de realizarem estudos semanais de aperfeiçoamento. Neste particular, não se pode olvidar que a instituição do Centro de Estudos semanal é legal. O que não é legal - repita-se, é a vetusta atitude do Administrador Público de impor a realização de atos em desrespeito ao princípio da autonomia escolar. O Município do Rio de Janeiro ao exigir que os professores obrigados fossem a comparecer nas escolas, todas às quartas-feiras, para a realização das ditas reuniões de estudo, sob pena de sofrerem sanções administrativas, impossibilitou que o gestor escolar, analisasse as peculiaridades lá existentes e adequasse a realidade de sua equipe à exigência de participação no Centro de Estudos, inviabilizando que certa unidade escolar, por exemplo, pudesse designar a segunda-feira como o dia das reuniões semanais. Ora, forçoso é reconhecer que a unidade escolar, seja pelo princípio da gestão democrática, seja pelo princípio da autonomia, tem a faculdade de viabilizar dia e horário mais adequados ao seu corpo educacional, com a flexibilidade necessária, para a realização das ditas reuniões de estudo. Pelo que se sabe, na atualidade, existe um ´acordo de cavalheiros´ entre a Secretaria Municipal de Educação e as unidades escolares, no sentido de permitir que as reuniões sejam realizadas em qualquer dia, a escolha do gestor escolar e não mais em um dia comum. No entanto, o Poder Público, com o dito ´acordo de cavalheiros´, jamais chegou a reconhecer a faculdade da unidade escolar em escolher o melhor dia para a realização da reunião de estudo, surgindo o interesse no prosseguimento da análise do pedido autoral. Ante o exposto, estando demonstrado o desrespeito aos princípios constitucionais da participação dos profissionais da educação; da gestão democrática e da autonomia escolar, norteadores da Educação Nacional, o que caracteriza a ilegalidade do ato praticado, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, nos termos do que dispõe o artigo 269, I do Código de Processo Civil, para condenar o Município do Rio de Janeiro a se abster de implementar os ciclos de formação, sem a prévia participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico e enquanto não forem fornecidas as condições necessárias para o seu funcionamento regular, com cursos de capacitação fornecidos a todos os servidores do Magistério, em amplo processo democrático com a comunidade escolar. Ainda, condeno o Município do Rio de Janeiro a se abster de exigir o ´DIA COMUM´ em data predefinida para a realização das atividades inerentes ao Centro de Estudos semanal, atendendo, assim, às peculiaridades de cada unidade escolar e conferindo a necessária autonomia na escolha da data para alcance de tal finalidade. Sem custas judiciais, na forma da Lei 8.069/90. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios que arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Após o transito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. A presente sentença está sujeita ao DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO, devendo os autos serem remetidos ao Tribunal de Justiça para reexame, discussão e decisão, independentemente de interposição de recurso apelação por parte do Município do Rio de Janeiro. Publique-se e intime-se. Dê-se ciência ao Ministério Público (1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação e 6ª Promotoria de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania).



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