segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Cinco observações sobre a crise da educação pública para uma estratégia revolucionária

A doutrina materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação, e de que portanto, seres homens modificados são produtos de circunstâncias diferentes e de uma educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens, e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade(...) A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática revolucionária.
Karl Marx (1)

A chain is no stronger than its weakest link
(Uma corrente não é mais forte que seu elo mais fraco) - Sabedoria popular européia

Este texto resultou de uma comunicação apresentada no seminário do ILAESE (Instituto Latino-americano de Estudos Sócio-Econômicos), em novembro de 2005. Comentaremos cinco temas que foram, na ocasião, objeto de uma discussão coletiva. A primeira idéia é o reconhecimento do fracasso da educação pública como instrumento da mobilidade social. Uma das premissas do capitalismo era a igualdade jurídica dos cidadãos. A promessa dos reformistas brasileiros foi, contudo, ao mesmo tempo, mais audaciosa e confusa: afirmaram durante os últimos vinte anos de regime democrático liberal, antes de chegar ao poder, que a educação seria, mesmo preservado o capitalismo, uma via de maior justiça social. A escola poderia mudar o Brasil, diminuindo as desigualdades sociais. Através da meritocracia, da igualdade de oportunidades, a chamada equidade, a justiça diante de obstáculos ou de barreiras que são ou deveriam ser universais, existiria a possibilidade de melhorar de vida. Todo a promessa reformista esteve construída em cima desta tese. “Estudem e trabalhem duro”, e terão um futuro superior ao dos vossos pais.

Educação e trabalho para todos garantiriam, presumia-se, uma maior coesão social à democracia burguesa na periferia do capitalismo, e serviam de álibi para a confiança dos reformistas nas possibilidades de “controle social” do mercado. Abraçados a esse programa, o desenvolvimento econômico substituía, alegremente, o socialismo como horizonte estratégico da esquerda eleitoral. A democracia liberal afiançaria, gradualmente, prosperidade para todos. Seria uma questão de paciência. Mas, quando chegaram ao poder, fizeram um “desconto” na promessa, e o direito à educação universal foi subtraído: no lugar de mais verbas para a educação pública, mais isenção fiscal para a educação privada. Sobraram as políticas compensatórias como o “Bolsa Família”: uma amarga contrapartida.

Todas os levantamentos estatísticos disponíveis a partir do censo do IBGE de 2000 e dos PNAD’s dos anos seguintes informam que, apesar de melhoras quantitativas modestas dos índices educacionais, o projeto reformista tem sido um fiasco. O Brasil está mais injusto que há vinte anos atrás, o desemprego mais alto, os salários médios congelados, enfim, a vida ficou mais difícil. A expansão da rede pública foi significativa nos anos sessenta, setenta e oitenta, mas não diminuiu a desigualdade social. Depois, a partir dos anos noventa, vieram as políticas sociais focadas que o governo Lula está preservando, e fracassaram, ainda mais estrepitosamente. A mobilidade social, ou seja, a esperança de ascensão social de uma geração para outra permanece muito pequena. A desigualdade social brasileira continua entre as mais elevadas do mundo. Vinte anos de democracia burguesa e de alternância no poder municipal, estadual e nacional entre a centro direita e a esquerda reformista, que tiveram oportunidade de aplicar os mais variados projetos educacionais, não trouxeram maior mobilidade social. Segundo os dados do IBGE, os 10% mais ricos da população ainda são donos de 46% do total da renda nacional. Já os 50% mais pobres ficam com apenas 13,3%. Há décadas o Brasil anda de lado, ou seja, fica para trás.

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Valério Arcary
Historiador, professor do Cefet/SP e membro do conselho editorial da revista Outubro

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