terça-feira, 3 de novembro de 2009

A Difícil Tarefa de SER PROFESSOR na Rede Pública do Rio de Janeiro

Por Marcia Garrido*

Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão


Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

(Sonho Impossível – versão: Chico Buarque e Ruy Guerra)


Durante as últimas décadas, a educação pública no município do Rio de Janeiro vem sofrendo, paulatinamente, um contínuo processo de deterioração devido, entre outros fatores, ao paternalismo instituído por uma série de “bolsas” e, principalmente, à aprovação automática. Essa política nefasta e criminosa acabou fazendo com que a maioria dos alunos e seus responsáveis criassem um falso perfil do papel da Escola na sociedade e acreditassem veementemente nele. Desta maneira, a aprendizagem passou a ficar abaixo do patamar que lhe deveria ser creditado e o profissional de educação ainda mais desvalorizado. A Escola tornou-se, então, muito mais um espaço social - como um clube - onde os alunos se encontram, lancham e tudo podem fazer. Em contrapartida, os professores foram reduzidos a meras figuras decorativas e de coerção, sendo obrigados a assumir a função de “tomar conta” desses alunos sem poder exercer dignamente a sua profissão (sobre a qual dedicaram anos de estudo). Na ausência destas condições mínimas, e sem o suporte necessário para educar, o professor se vê impedido de atingir o objetivo principal e maior do seu ofício: contribuir para que o aluno se torne um ser crítico e autônomo, capaz de interferir beneficamente em sua própria vida e na sociedade.

O reflexo disto chega aos últimos anos do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, onde é fácil encontrar alunos que mal sabem ler (analfabetos funcionais), os chamados “filhos do ciclo”, que foram, porque não dizer, enganados durante todo esse tempo por sucessivos governos clientelistas. Na Rede Municipal, quebrando a hegemonia da longa era César Maia, surge o governo privatista de Eduardo Paes, que desconsidera a autonomia do professor, faz “pactos” com OS’s para gerenciar instituições públicas e vislumbra alterar abruptamente a vida funcional de professores de classes especiais, auxiliares de creches e merendeiras. Este atual governo caracterizado por impactantes ações de marketing, que massifica a população através de propagandas que iludem e manipulam, foca suas atividades em eventos grandiosos tais como as Escolas do Amanhã e nos enfadonhos Projetos “Acelera”, “Se Liga” e, mais recente, o “Fórmula da Vitória” (que é vitorioso só no nome). Enquanto isso, muitos alunos de nossa rede permanecem tão analfabetos quanto foi detectado no início do ano letivo. Cabe ressaltar, que tais projetos “importados” da rede privada, possuem, muitas vezes, funcionários que não estão preparados para exercer tal função porque não são tão qualificados quanto os profissionais concursados para este fim, obviamente fazendo diminuir a qualidade do ensino. Deste modo, a impenitente tecnocratização da atual gestão da rede acaba se refletindo diretamente na má qualidade pedagógica, através de materiais prontos, que chegam às escolas da rede municipal, incompatíveis cronologicamente com o planejamento anterior elaborado pelos professores.

Por outro lado, na Rede Estadual, há poucos meses, educadores que reivindicavam seus direitos, foram tratados como marginais e agredidos covardemente pela tropa de choque do governo Sérgio Cabral.

Então, como falar numa efetiva melhoria da qualidade de ensino em nossa rede pública se nem os próprios governantes dão o exemplo e agem de maneira desrespeitosa e insipiente com seus professores?

Vamos recapitular o que se passa atualmente nas escolas...

Os professores têm que trabalhar em salas de aula lotadas, lidar muitas vezes com alunos agressivos (frutos da violência gerada pela crise social do entorno onde estão inseridos) e que possuem pouca, ou quase nenhuma, estrutura e/ou apoio familiar. Sem falar nestes anos seguidos de aprovação automática, que destruíram os hábitos de estudo destas crianças e as fizeram construir um imaginário antagônico à realidade e totalmente desfavorável ao seu desenvolvimento cognitivo e crítico, essenciais para a formação de sua cidadania.

Além de tudo, estes profissionais de educação ainda têm que enfrentar governos autoritários que exercem seu poder, em diversas escolas, através de direções submissas que servem de “braços do Estado” e pressionam e perseguem vários profissionais de educação, que se mostram contrários ao status quo. Infelizmente, tais características de assédio moral estão presentes em nosso dia-a-dia há muito tempo, perpassando por diferentes governos. E no cotidiano da escola, vários de nós já “sentimos na pele” ou já presenciamos algum tipo de assédio moral por um superior hierárquico. Só que muitos não denunciam para não se expor e evitar um desgaste maior, pois se sentem amedrontados e desacreditados diante de tantos senões... Mas motivos não faltariam!

Mesmo assim, alguns profissionais resistem bravamente, pois ainda têm um fio de esperança na educação pública, e até conseguem desenvolver com muita luta, e por meios próprios, belos trabalhos pontuais na rede. A eles, a nossa sincera reverencia; ao governo e as suas “rainhas-loucas”, as batatas!

Mas como reverter este triste quadro? Existe saída? Qual?

Cabe à categoria, outra vez, se fazer presente neste momento e participar de forma mais efetiva, tomando conhecimento das ações e das intenções do governo. Esta é a hora de demonstrar força e unir todos setores da educação: professores, auxiliares de creches, agentes educadores, merendeiras, agentes administrativos e aposentados (que têm visto seus salários cada vez mais defasados no decorrer dos anos, não podendo desfrutar de uma aposentaria digna e coerente com sua contribuição), nos impondo verdadeiramente, de modo a garantir nossos direitos e exigir melhores condições de trabalho e salários.

Percebemos que o início da solução para este enorme problema se dá na organização da categoria de forma eficiente e massiva, visando fortalecer o sindicato e se fazendo representar de maneira real (e não apenas ficar aguardando as decisões para julgá-las posteriormente).

O SEPE é formado por todos nós e devemos assumir a responsabilidade disto, apoiando as reivindicações e impedindo, assim, o avanço de atitudes irracionais dos atuais governos municipal e estadual. Devemos ver o nosso sindicato como um porta-voz, e não como um procurador, da categoria. E esta voz somente será ouvida e respeitada se ela soar forte com a participação de todos. Nenhuma autoridade teme, ou sequer escuta, a voz fraca emitida por uns poucos. Se não lutarmos agora, formando uma sólida frente de resistência, daqui a algum tempo não sobrará nem vestígio do que, algum dia, chamamos de PROFESSOR...

É isso que desejamos???
___________________
* Marcia Garrido é Professora das Redes Estadual e Municipal de Educação e Coordenadora Geral desta Regional

Um comentário:

  1. Cabral prometeu os 5% pros policias e cumpriu, ele prometou um reajuste salarial para os professores vamos confiar !

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