quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Palavras do Professor

Bom, após as declarações da nossa Secretária de Educação do Município do Rio de Janeiro
(http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2009/11/escolas_terao_programa_de_protecao_contra_bala_perdida_44237.html),
vieram comentários do Prefeito(http://www.sidneyrezende.com/noticia/63068+paes+nega+que+rede+municipal+de+ensino+tera+treinamento+contra+tiroteios)

Isso tudo nos leva a refletir um pouco sobre as ideias e as ações da mesma.

Entre tiros e palavras, a autonomia nossa de cada dia

Matéria do jornal “O Dia”, disponibilizada na sua versão online[1] no dia 04/11/2009, traz um estranho título: ”Escolas terão programa de proteção contra bala perdida”. O subtítulo acrescenta: “Secretaria Municipal de Educação vai ensinar professores e alunos de áreas violentas a se proteger durante tiroteios na vizinhança”. Não pode ser sério.
Inicialmente, podemos pensar que se trata de algum tipo de deboche com os professores, funcionários e alunos de escolas que passam por situações absurdas, nas áreas de freqüentes confrontos entre policiais e traficantes. Depois, ao ler a matéria com um pouco mais de calma, podemos chegar a algumas conclusões importantes sobre as orientações e a prática da Secretária Municipal de Educação.
Primeiro, é necessário destacar alguns trechos, principalmente da fala da nossa secretária, segundo transcrição da matéria citada: “Essa é a nossa realidade. Temos que fazer frente a isso e treinar nossos professores e crianças para aprenderem a atuar numa situação de emergência”. Nossa realidade? Como pode dizer que é “nossa”, quando a mesma secretária jamais saiu do seu gabinete para saber o que estava acontecendo com as escolas da sua administração, no momento em que as operações policiais se davam? As duas semanas anteriores foram fartas em oportunidades para a mesma sentir um pouco a tal “realidade”, da qual ela se apropria, de maneira indevida, para dizer que pretende agir – pretende, uma vez que o mesmo plano bizarro parece que seria para 2010!
Realmente, perdeu todas as oportunidades de utilizar o termo nossas, com alguma legitimidade. Deixou de ver “caveirões” estacionados em frente ao portão de uma escola, para dar início às HORAS de trocas intensas de tiros. Não viu (ao vivo) alunos, acuados pelos tiros, escondendo-se atrás de qualquer latão de lixo, ou deitados no chão. Perdeu a chance de ver, ao som da orquestra bélica, os pais, correndo, semblantes tensos, tentando resgatar seus filhos, enquanto também tentavam se proteger. Só soube por terceiros, do desespero vivido pelos professores e funcionários, acuados pela tal realidade. Como não esteve presente nesses momentos e nem ao menos deu nenhuma declaração consistente sobre tais acontecimentos, entendo que não cabe dizer que se insere nessa realidade.
Depois, a declaração segue com um emblemático contraditório “Temos que fazer frente a isso (...)”. Fazer frente é treinar professores e alunos para se esconder das balas? Neste ponto há duas mensagens, muito explícitas, contidas na frase. A primeira é que a idéia de fazer frente é em relação exclusivamente aos tiros. A segunda, diretamente ligada à primeira, é que a situação está posta e nada se pode fazer, a não ser enfrentar os seus resultados – os tiros.
Isso é, no mínimo, uma falta de respeito com os moradores dessas regiões, sem falar nos profissionais das escolas. Naturaliza-se a idéia de que certas áreas são violentas, o que autoriza qualquer tipo de ação truculenta sobre essas populações. Lição estranha, essa que a Secretária ensina: não há o que fazer, exceto se adaptar ao convívio com as balas achadas e as perdidas. Difícil não comparar, quando lemos nos jornais que a tragédia de Fort Hood, no Texas (EUA), levou a autoridade local a determinar o fechamento das escolas. Aqui, nossa autoridade local sugere que tratemos o assunto com naturalidade, apenas tomando cuidado para não sermos “excepcionalmente” atingidos, durante nossa rotina.
O papel da Secretaria, portanto, parece ser o de garantir o funcionamento das escolas a qualquer custo, inclusive de vidas.
Aliás, esse jogo é bem interessante. Recentemente, em audiência realizada com a direção do SEPE[2], foi dito por uma representante da Secretaria que as escolas teriam autonomia para decidir se devem funcionar ou não. Não há autonomia para decidir sobre aplicação de avaliação externa, nem sobre pacotes pedagógicos, mas há para decidir se fecha ou não, em caso de tiroteios. Essa brincadeira com o óbvio lança algumas pistas sobre o que a Secretaria pensa como política de educação. Nesse caso, as escolas são simples aglomerados habitados por executores de tarefas, onde os alunos são estatísticas diversas, sempre mensuráveis.
Dizer que as escolas têm autonomia nessas circunstâncias, soa quase como ironia. Quem está no meio de um tiroteio não tem condições de se preocupar com determinações superiores. Não é hora para de autorização. Mas, a SME sente que precisa se manifestar e acaba metendo os pés pelas mãos. Ao mesmo tempo em que lava as mãos e declara que não quer assumir responsabilidade sobre as unidades que administra, tenta reforçar sua autoridade sobre as mesmas unidades, dizendo que delega a elas aquilo que chama de autonomia. Tenho certeza que essa autonomia perversa as escolas não querem. Repercute como uma brincadeira de muito mau gosto
Seria muito mais digno se a Secretaria Municipal de Educação declarasse, aos cidadãos cariocas, que seus filhos estão em segurança nas escolas, ou que as aulas estão suspensas neste ou naquele lugar, em função das operações da polícia – mas, suspensas desde o início e não depois que estiam os tiros do primeiro ou segundo confronto!
Mas, infelizmente, nem o ex-aluno baleado em frente à escola, na Vila Cruzeiro, foi suficiente para sensibilizar os corações tecnocratas. Quem sabe, quando isso acontecer dentro de uma escola, ainda leremos nos jornais declarações da Secretária de plantão, dizendo mais ou menos assim “A escola funcionou porque a direção quis”.

Roberto Marques*

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[1]Endereço eletrônico: http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2009/11/escolas_terao_programa_de_protecao_contra_bala_perdida_44237.html, acessado às 07:30h de 04/11/2009.
[2] Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro.
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*Roberto Marques é Professor da Rede Municipal do Rio de Janeiro.

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