terça-feira, 29 de junho de 2010

O QUE É MESMO TOLERÂNCIA?

Segue, em anexo, o relato do professor Roberto 'Che' Mansilla de um episódio lamentável ocorrido com ele na IV.ª Jornada Interdisciplinar que teve o tema “Intolerância e Holocausto: como estudar e ensinar na sala de aula” organizado pelo Programa de Estudos Judaicos da UERJ, pela Associação Cultural B’nai B’rith do Rio de Janeiro e pela SME.

Vale a pena tomar conhecimento e, se possível, fazer um protesto contra o ocorrido para evitar que tais fatos se repitam.




O QUE É MESMO TOLERÂNCIA?
Por Roberto Mansilla[1]
Quarta-feira, 23 de junho de 2010. Acabo de chegar da IV.ª Jornada Interdisciplinar que teve o tema “Intolerância e Holocausto: como estudar e ensinar na sala de aula” organizado pelo Programa de Estudos Judaicos da Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro, pela Associação Cultural B’nai B’rith do Rio de Janeiro e pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
Como professor de História da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro fui convidado a participar de tal evento cujo objetivo do material entregue aos participantes consiste em “oferecer a oportunidade de capacitação intensiva sobre o Holocausto cujo entendimento completo do autoritarismo e seu processo correlato – a Intolerância – será apreciada em todas as suas vertentes”. (Caderno de textos, p. 4).
Infelizmente o que deveria ser um momento para a reflexão crítica de um dos processos mais trágicos cometidos contra a Humanidade, o “holocausto nazista”, transformou-se numa clara campanha de propaganda e obrigatória concordância a política do Estado de Israel, visto como “vítima” de uma incessante campanha de “perseguição” e “antissemitismo” .
Isso me incomodou profundamente (acredito que também alguns professores) pois  logo na mesa 2, “A Formação do pensamento antissemita através das imagens: do III Reich ao Irã”, ministrada pela Prof.ª Silvia Rosa Nossek Lerner (UVA) ficou claro que qualquer possibilidade crítica a alguns aspectos de sua abordagem, seriam entendidos como “antissemitismo” ou de “negação do holocausto nazista”.
Obviamente é ahistórico negar o holocausto nazista como fenômeno social, situado no contexto pós-chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, em 1933 e todo o esforço de mobilização que os nazistas fizeram para humilhar, perseguir, escravizar e eliminar quase 6 milhões de judeus, além de outros milhares de ciganos, Testemunhas de Jeová, comunistas, dissidentes políticos, deficientes físicos e homossexuais. Isso foi uma tragédia contra a Humanidade que nunca poderá ser esquecida.
O que discordo da exposição da Prof.ª Silvia R. N. Lerner foi a intencionalidade de transformar o holocausto nazista (fato histórico real) em “Holocausto”, ou seja sua representação ideológica , como diz Norman Finkelstein, professor da Universidade de Nova York, cuja conseqüência serviu para  legitimar – diante do sentimento de “culpa europeu” – a invasão (ou como alguns queiram “imigração”) de judeus para uma terra que já estava ocupada, em sua imensa maioria por palestinos.[2]
Concordando novamente com o Norman Finkelstein, o holocausto nazista tornou-se uma “indústria que exibe como vítimas o grupo étnico mais bem-sucedido dos Estados Unidos e apresenta como indefeso um país como Israel, uma das mais formidáveis potências militares do mundo, com horrenda reputação em direitos humanos que oprime os não judeus em seu território e em sua área de influencia”. [3]
Esta ferida aberta em 1948 (e que segue sendo uma dos maiores dramas da Humanidade), a “questão palestina”, começou a partir da criação do Estado de Israel que se tornou uma força de ocupação dentro do próprio território palestino. 
Mais uma vez dizer isso não é ser um “antissemita” muito menos negar a pavorosa experiência do holocausto nazista. Como professor não quero (e não posso) querer que a história de sofrimento de ninguém seja ignorada e não registrada. Por outro lado, há uma grande diferença entre se reconhecer a opressão aos judeus e usar isso como pretexto para opressão de outro povo. É preciso ser capaz de distinguir entre o que aconteceu com os judeus na Segunda Guerra Mundial e na Europa nos séculos de antissemitismo aberto e institucionalizado e o que as pessoas sentem sobre as terríveis práticas de ocupação militar e despojamento da Palestina. Não nos esqueçamos de que o que Israel faz é feito abertamente em nome do povo judeu.
Era isso que eu queria imaginava colocar no espaço reservado ao debate.  Mas percebi que tais opiniões não seriam aceitas por tudo aquilo que li no caderno do evento e ouvi nas exposições dos debatedores, principalmente o da já citada Prof.ª Prof.ª Silvia R. N. Lerner .
Então, um pouco antes do tempo para o debate, resolvi divulgar um pequeno texto aos professores participantes. Não queria ser inconveniente e apenas entreguei algumas cópias para que alguns passassem aos outros colegas. O texto mencionado não era de minha autoria. Tratava-se de um panfleto datado do início de 2009, assinado por várias entidades, das quais tive o cuidado de retirá-las nas cópias que usei, para que não fosse entendido como propaganda de alguma delas. O texto intitulado “Chega de Matança” foi um material divulgado durante um ato que ocorreu no Rio de Janeiro contra os bombardeios feitos a civis por Israel na Faixa de Gaza. (Se alguém desejar posso passar na integra o referido texto para que tenham sua própria leitura).
Pretendia apenas contribuir para a reflexão crítica e, quem sabe, estimular os professores presentes com alguma questão para o debate posterior. Qual a minha surpresa quando as Prof.ªs Silvia R. N. Lerner, Maria Luiza Tucci Carneiro (USP) e também  a Prof.ª Regina Lúcia Henriques (representante da Associação Beneficente e Cultural B’nai Brith do Rio de Janeiro) de forma a cercear o livre direito a expor idéias me intimaram de forma truculenta a deixar o plenário, pois queriam ter uma “conversa particular” comigo.
Perplexo fui obrigado a me identificar (dizer meu nome, matrícula e coordenadoria). Indignei-me com a forma intimidadora, desrespeitosa e cerceadora que fui tratado. A Prof.ª Silvia R. N. Lerner era a mais exaltada. Disse que eu estava agindo como “antissemita” e “racista”. Pior: queriam saber de que “organização árabe e terrorista” eu fazia parte! Confesso que fiquei pasmo. Olhavam-me com raiva (para não dizer ódio) e me acusavam constantemente de estar “intencionalmente disposto a acabar com o evento”.
Comecei a ficar mais e mais constrangido, principalmente por se tratar de professoras, colegas de profissão, cujo papel seria discutir, problematizar idéias e não agir como “agentes de segurança do Estado de Israel”.
Respondi que como um evento que se propunha a discutir as formas de “Intolerância” e “princípios de convivência, baseados no diálogo da diversidade e do multiculturalismo” (cf. a p. 3 da apresentação pedagógica feita pela Prof.ª Helena Lewin, no Cadernos de textos) era uma contradição a maneira pela qual estavam me tratando, com ofensas morais. Uma das professoras lamentou inclusive o fato de ser professor da rede municipal de ensino. Não me lembro qual delas chegou a dizer de forma desdenhosa a seguinte afirmação “como pôde ter estudado na UFF?”.
Cada vez mais irritado, disse a elas que estava me retirando do evento e que não se preocupassem com as minhas “ameaças”. Novamente fui surpreendido quando a Prof.ª Silvia R. N. Lerner disse que “devia esperar o debate e ter a coragem de expor minhas idéias”, pois segundo ela “estava me escondendo” ao “divulgando um texto racista sem identificação”.
Dessa maneira fui “convidado” a entrar, esperar o fim de vídeo que estava passando e “falar” para mostrar minhas idéias. No momento em que começou o debate, já bem atrasado e perto do almoço, fiquei na frente esperando a chance de expor e retirar a acusação de “antissemita” ou “negador do holocausto nazista”.
Qual foi minha surpresa (pra dizer a verdade já esperava por isso) que a Prof.ª Silvia R. N. Lerner ignorou-me, mesmo tendo insistentemente levantado a mão. Já prevendo o que poderia acontecer disse que as perguntas deveriam ser feitas exclusivamente sobre o tema da jornada, ou seja “Intolerância e Holocausto: como estudar e ensinar na sala de aula”.
Como já disse antes até formulei algumas questões que tinha interesse em problematizar sobre a temática, dizendo que não me parecia correto trabalhar com os alunos em sala de aula esse fenômeno como acontecimento histórico único, bem diferente da intenção dos organizadores era transformar o holocausto nazista em “Holocausto”. Assim é possível do ponto de vista histórico dizer que houveram vários “holocaustos” (entendido como massacre, hecatombe, dizimação intencionada de um povo ou um grupo étnico). Acaso o que ocorreu na guerra de conquista movida pelos colonizadores espanhóis ao chegarem na “América pré-colombiana” não foi isso? Ou o massacre de armênios pelos turcos na primeira década do século XX. E os palestinos? É um tabu dizer o Estado de Israel fez e continua fazendo a eles, desde 1948 é algo diferente, na utilização dos mesmos métodos de violência, tortura, cerceamento, humilhação, assassinatos sobretudo a civis... Afirmar isso é “antissemitismo” ou negar o “holocausto nazista”?
Com isso não quero e também sei da impossibilidade e da ofensa em comparar sofrimentos. O que os judeus passaram é horrível e realmente sem precedentes. Mas por outro lado, isso não pode ser usado como forma de diminuir a terrível punição que os palestinos tem sofrido nas mãos do Estado de Israel. Não é uma questão de comparações. É uma questão de dizer que ambos são inaceitáveis.
Enfim, o que mais me chateou profundamente a ponto de não ficar para a parte da tarde dos debates (continuava perplexo com tudo o que aconteceu) foi essa intolerância em tratar opiniões contrárias. Imaginava que num espaço público como a Universidade, isso houvesse sido superado e ficasse restrito aos “Anos de Chumbo” de triste memória para todos nós.
Mas o pior ainda foi quando mais uma vez a Prof.ª Silvia R. N. Lerner dirigiu-se a mim, me pegando pelo braço e disse “Fora do meu debate! Faça o seu sobre os palestinos!” Esse comportamento me levou – já profundamente irritado – a dizer em tom alto que me retiraria imediatamente pois não se tratava de um debate acadêmico, ainda mais se tratando de um núcleo de pesquisadores de uma Universidade pública.
Por fim registro minha preocupação com os eventos organizados ou apoiados pela Secretaria Municipal de Educação. Ela deveria ser mais cuidadosa nas parcerias feitas cujo objetivo é a reunião de um grande número de professores. Verificamos exemplos de intolerância em um espaço público, acadêmico, logo, de debate. Não é essa visão de história intolerante, monolítica que tento construir com meus alunos diariamente.  


[1] Mestre em História pela UFF e professor da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro. E-mail: robimansilla@hotmail.com
[2] Só para se ter uma idéia dessa tragédia (que os palestinos denominam de Nakba) entre a divisão da Palestina e a formação do Estado de Israel, num período de seis meses, brigadas armadas israelenses ocuparam cerca de 80% da terra palestina e expulsaram mais de 800 mil palestinos, de um total de 950 mil. Essa expulsão se deu através de sucessivos massacres. Várias cidades foram arrasadas forçando a população palestina a refugiar-se nos países vizinhos, em campos de refugiados, nas quais existem por volta de mais de 4 milhões. Em 1948, os palestinos tornaram-se minoria em seu próprio território.

[3] Cf. Norman Finkelstein, A indústria do Holocausto. Reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus, p. 13. O autor é  filho de judeus egressos do Gueto de Varsóvia e sobreviventes dos campos de concentração de Maidanek e Auschwitz.

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